As receitas que não se seguem

Sei que prometi esta receita na 6a feira. Porém, várias foram as razões que me impediram de o fazer (e não me refiro só à falta de café nesta casa, em pleno feriado na Suiça – que significa não ter grande alternativa senão uma tarde de pura moleza).

Nos dias que se seguiram, enquanto usufruíamos do nosso fim de semana de passeio em família, convenci-me de que este atraso podia até ser estratégico, afinal de contas há coisas que fora de época sabem sempre melhor, certo?

♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦

Se em Foz Côa a tradição da Páscoa passava por ir à padaria do Castelo buscar o folar, em Lisboa a responsabilidade de amassar o folar passou directamente para as mãos do meu pai.

A receita original (pouco fidedigna) que lhe deram é semelhante à das filhoses – não bate a bota com a perdigota. Para juntar à festa, ele teima em não anotar as alterações que lhe tem feito todos os anos e que transformam a receita estapafúrdia num verdadeiro folar – percebem de onde vem o meu problema em seguir e repetir receitas?

Convencida de que a receita original não podia ser assim tão má, eventualmente fruto de algum dramatismo por parte do meu paizinho, no ano passado armei-me em padeira e pedi à minha irmã que me enviasse toda a informação relativa ao folar.

Este foi o e-mail que recebi:

Assunto: Folar de Foz Côa (bolo da Páscoa) – RECEITA NÃO RECOMENDADA / os meus comentários a vermelho
1kg de farinha
8 ovos (9, se pequenos)
200gr de açucar
½ chávena de leite
150gr de manteiga
um pouco de azeite ( como é que a pessoa sabe que um pouco para ela é o mesmo que um pouco para mim?)
pão (massa) (um pão grande? um pão pequeno? se calhar um moletezinho chega)
um pouco de fermento inglês (um pouco…)
sal qb
 
Juntar o fermento de padeiro (obrigada por ter avisado antes que também era preciso…) e o fermento inglês com um pouco dos ovos e um pouco de farinha. Desfaz-se tudo muito bem.
Deita-se o resto dos ovos; o leite e o açucar; a aguardente (eu sei que toda a gente devia ter aguardente de sobra em casa…) e o azeite, bem como o resto da farinha.
(os ovos devem ser amornados, em banho Maria, com um pouco de sal).
Depois de bem batida a massa, deixa-se descansar por 1h30 minutos. A massa vai crescer muito.
(Então e a massa do pão é para fazer pão para o lanche???)
Fazem-se bolos pequenos e deixa-se descansar mais 30 minutos. A receita faz 6 pães.
Antes de ir ao forno, pincelar com gema de ovo e polvilhar com açucar e canela.

Ironicamente, a minha irmã ainda colocou uma nota a dizer: “a letra do pai é horrível, mas penso que está tudo escrito como no livro” – porque o problema da receita está na caligrafia…

A muito custo, quase que a desistir, no ano passado lá consegui fazer uns folarzitos aldrabados que, mesmo assim, nos deixaram bem felizes.

Este ano, com o aproximar da semana da Páscoa, disse a mim mesma: “este ano é que é!”. Já me chegam 6 Páscoas sem ir a Portugal, bem como um início de ano verdadeiramente atribulado, com mudanças de casa azaradas e (re)adaptações à vida no campo. Este ano prometi a mim mesma que, mesmo se tivesse de fugir um pouco à receita, ia fazer brilhar os meus folares – e registar todas as quantidades e ingredientes!

O resultado foi bom. Foi tão bom que o meu pai me pediu a receita no dia a seguir, depois de ter visto as fotografias.

Folar da Páscoa de Foz Côa

ou

Pão doce com cheirinho a Aguardente

Ingredientes para 6 pães:
1kg de farinha ( + 1/2 kg de reserva caso venha a ser necessário)
8 ovos médios
200gr de açucar
175ml de leite (à temperatura ambiente)
150gr de margarina amolecida
125ml de azeite
massa de pão tipo trança ou brioche (preparar o equivalente a 500gr de acordo com as instruções do pacote, deixando levedar antes de começar a preparar o folar)
25gr de fermento de padeiro
1 c. de chá de fermento para bolos
sal q.b.
1 a 2 cálices de aguardente (consoante o gosto)

1 ovo + leite batido para pincelar
açucar qb para decorar o topo dos pães

Modo de preparação:

Comece por preparar a massa do pão. Ao utilizar uma massa tipo brioche/trança, ajudará o folar a ter uma textura mais fofa, especialmente porque esta massa já tem alguma gordura adicionada.

Numa taça grande (eu usei a minha Kenwood Cooking Chef, que amassa maravilhosamente), desfaça o fermento no leite. Junte a massa do pão, já levedada, e a margarina amolecida. Misture tudo muito bem, até obter uma massa homogénea.

De seguida, comece a juntar os ovos, um a um, misturando bem. Junte ainda o açucar, a aguardente e o azeite, deixando para o fim a farinha, o fermento e uma boa pitada de sal. A massa não deve ficar pesada, mas sim elástica e a querer descolar dos dedos. Na minha massa, especialmente devido ao tipo de massa de pão que usei, tive que juntar cerca de 350gr de farinha a mais, para além do 1kg sugerido na lista de ingredientes).

Deixe levedar a massa num sítio quente, durante pelo menos 1 hora e meia. Como a massa cresce muito, utilizei duas taças para levedar.

A massa deverá dar para pelo menos 6 pães. Forme bolas, sem juntar mais farinha, e coloque-as sobre um tabuleiro forrado a papel vegetal. Deixe descansar os pães por mais 30 minutos, enquando pré-aquece o forno nos 180°.

Antes de levar o tabuleiro ao forno, não se esqueça de pincelar os pães com o ovo batido num pouco de leite. Salpique com açucar a gosto e leve ao forno durante cerca de 35 minutos (ao fim de 10/15 minutos aconselho a cobrir com folha de aluminio, para não queimar).

Se os pães forem de tamanho pequeno, reduza 10 minutos no tempo de cozedura, mas faça sempre o teste do palito.

E agora, enquanto todos se esquecem da Páscoa e se concentram nas bolas de berlim na praia, eu vou ali, à 3a gaveta do congelador, pôr a descongelar para o lanche um dos meus pãezinhos doces, extra fofos e cheios de aguardente.

Para quê dar nome às coisas, se elas sabem melhor se não forem planeadas?

Muito obrigada por continuarem por aqui comigo.

Até breve!

0 comments on “As receitas que não se seguemAdd yours →

Deixe uma resposta